Um dos momentos mais marcantes da 73ª Assembleia Geral Extraordinária da Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Mucuri (AMUC) foi o discurso de abertura proferido pelo presidente da entidade, o prefeito Héber Neiva, o Vavá, da cidade de Caraí. Ao abrir o evento, Vavá dispensou o protocolo solene e, mesmo não tendo sido deselegante, preocupou-se muito mais em reivindicar o atendimento das demandas e das necessidades do povo dos Vales do que ficar jogando confete em autoridade política.
Vavá disse que o único investimento do Governo do Estado em nossa região é o Hospital Regional, que só será construído com recursos advindos de uma tragédia humanitária. Como médico e profissional da saúde que é, fez questão de lembrar que hoje, mesmo que a obra fique pronta — embora isso deva demorar um pouco —, ainda enfrentaremos outro problema: Atualmente não há profissionais da saúde o suficiente na região para trabalharem num hospital com 500 leitos.
Acompanhe, a seguir, a íntegra do discurso, em azul, a partir dos cumprimentos protocolares:
“Eu sempre busquei, através dos meus estudos, conhecimento, alguma formação e espaço antes de retornar para a minha região; e assim o fiz. Estou completando 21 anos de formação em Medicina. A primeira cidade que escolhi para trabalhar foi exatamente a minha cidade para poder atender à comunidade.
Saí num segundo momento para fazer a minha especialização e residência médica na Universidade Federal da Bahia, mas de novo escolhi a minha cidade e a minha região para trabalhar.
Tive oportunidade de, como profissional, atuar em diversos municípios dos Vales. Trabalhei em Comercinho, em Medina, Águas Vermelhas, Itaobim, Águas Formosas, Carlos Chagas… enfim, tantos. E posso dizer que só quem conhece de perto as demandas, vive essas demandas e o sofrimento da nossa gente sabe de fato o que fazer, aonde buscar e o que buscar. O nosso povo precisa de muito, mas pede pouco. Nós necessitamos de mais, mas pedimos muito pouco. E digo para vocês que nem o muito pouco está vindo. Precisamos de ter a sensibilidade da dignidade humana do básico, que é o acesso à água, à comida e à saúde.
Queremos rodovias, ferrovias, obras gigantescas e volumosas, sim; mas também queremos que venha o básico minimamente, e que venha logo. Esse sentimento de abandono que sentimos, sentimento de sermos órfãos é compartilhado por nós políticos e agentes públicos, e é compartilhado, também, pela população.
Se vocês me permitem, embora eu não seja um estudioso, farei um rápido resumo dos Vales: Os Vales serviram de conveniência para o Império com a fama dos índios botocudos de serem muito aguerridos e de serem combatentes, para evitar o contrabando de pedras preciosas. O Império usava isso na época para evitar esse contrabando, com o transporte sendo feito através dos rios. Quando o Império necessitou de recursos, determinou a guerra contra os nativos, e houve uma dizimação de índios por conveniência. Veio Portugal, então, e descobriu jazidas de muitas riquezas.
Basta ver o que herdamos de Diamantina. É o nome dito do que foi carregado. Passou-se um tempo e nós tivemos no passado até uma certa atenção, mas por conveniência. Tivemos a Ferrovia Bahia-Minas, que transportava as riquezas dos Vales. Havia desmatamento e a madeira servia para poder ser transportada. Quando aquilo acabou, acabou-se também a ferrovia. Depois nós tivemos JK, que ascendeu ao poder nos anos 50 e idealizou uma BR, a 367, e imagina que, com quase setenta anos, o que temos dessa rodovia? Ela ainda não está concluída.
Ao longo do tempo os Vales tiveram atenção, mas foi perdendo. Ao invés de avançar com o que tínhamos, nós perdemos. Não entendemos por que essa região tem de ser eternamente esquecida. Estão aqui os piores IDHs [índices de desenvolvimento humano] de Minas, e eu cito o meu município: 17º pior; cito Catuji, cuja prefeita está aqui; cito Setubinha que, embora não esteja aqui, está entre os piores IDHs. Eu falo para os senhores deputados, senadores e autoridades: Vocês são culpados? Nós somos culpados? Imagino que não. Mas nós somos responsáveis por propor saídas e, acima de tudo, propor resultados, pois esse povo não aguenta mais. Não podemos mais viver de migalhas.
Eu quero aproveitar e dizer ao secretário de Estado de Governo, que aqui está, representando ao nosso governador, que é uma pessoa de bem, uma pessoa que está demonstrando compromisso… mas digo, também, secretário, e peço que leve o nosso recado: O Governo está em falta com a nossa região.
Quem é cidadão do meu município também é cidadão de Minas e cidadão deste país. Vou dar outro exemplo: A Vale do Rio Doce fez um acordo com o Estado… infelizmente precisou haver uma tragédia que dizimou vidas. E o que veio para a nossa região? Nada. Não veio nada. O Hospital Regional será construído, mas nós tivemos que contar com um desastre, infelizmente, para ver o Hospital Regional, que ainda nem terminou.
Está na Constituição que saúde é dever do Estado; não é investimento a mais. Quando vai terminar o hospital? Não será a curto prazo, pois não temos gente, recursos humanos adequados para trabalhar. Eu falo com propriedade, pois sou da Saúde. Nós não temos profissionais para trabalhar em 500 leitos. Nós precisamos capacitar as pessoas. Aí entra a Educação e outros investimentos importantes para o Estado.
Entendo as dificuldades que o governador herdou, e nós prefeitos somos testemunhas, pois no mandato anterior travamos uma verdadeira guerra fazendo acampamento na Assembleia Legislativa para pedir o que é nosso. Eu sei que o governador assumiu um pepino e uma dificuldade em ter de demonstrar resultados na parte da gestão; mas o maior lucro de uma administração, o seu maior patrimônio, é a qualidade de vida do cidadão. Nós não podemos pensar isso apenas em dados, sem que isso retorne para o povo. Temos de democratizar o acesso aos benefícios e aos nossos recursos.
Secretário, muito obrigado pela sua presença conosco, mas leve o nosso recado ao governador. As regiões Sul, Zona da Mata e Triângulo foram muito atendidas, e precisam, também; não vamos dizer que não. Mas o Estado e o País têm uma dívida enorme de décadas com todos nós desta região. Nós necessitamos de vez e de voz”.